segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

EQUILÍBRIO COM A NATUREZA


Técnicas que dispensam os produtos químicos e utilizam os conhecimentos ancestrais durante o cultivo da uva classificam os vinhos orgânicos e os biodinâmicos. Uma prática que remete à verdadeira arte de produção da bebida na França e conquista apreciadores de rótulos diferenciados no Brasil

Nos últimos anos, a sustentabilidade tem deixado de ser um assunto relacionado unicamente ao mundo corporativo. Além dos processos agrícolas tradicionais, a preocupação com a preservação ambiental ganha o interesse dos produtores de vinho, gerando uma nova safra de rótulos intitulados orgânicos, biodinâmicos e naturais. A proposta de eliminar totalmente o uso de herbicidas, pesticidas e adubos químicos, durante o cultivo, trata-se de um desafio, que remete à verdadeira arte da produção da bebida, com a vantagem adicional de manter o equilíbrio da natureza. "Precisamos lembrar que a cultura do vinhedo é que deve ser definida como orgânica ou biodinâmica", sugere o enólogo Didú Russo.

A história dos vinhos orgânicos, no entanto, não é tão recente quanto parece. Sua origem mantém relação com uma das maiores produtoras mundiais da bebida - a França. No início do século XX, vinicultores franceses e italianos começaram a aplicar a técnica em larga escala. Além do conceituado Domaine de La Romanée-Conti - um dos vinhos mais caros do mundo, 100% orgânico e produzido na Borgonha, entre outros -, o resultado é o aumento do número de adeptos à prática - apenas a Associação "Bio" do Languedoc, existente desde 1991, conta com quase 200 produtores - e do consumo dos produtos, que registraram um crescimento de 60% no mercado francês e um faturamento de, aproximadamente, 31 milhões de euros, entre março de 2009 e fevereiro de 2010, segundo a consultoria de marketing IRI France. Um dos motivos para essa expansão, de acordo com Nicolas Bertrand, representante do Organics Cluster in Rhône-Alpes, é o esforço dos vinicultores em oferecer opções diferenciadas. "Existe um grande interesse em comercializar a bebida pelo melhor preço, estimulando a busca por diferentes distribuidores. Isto tem contribuído para o crescimento desse segmento na França", destaca.

Aprimorando as práticas orgânicas, o cultivo biodinâmico prevê o uso de compostos líquidos de alta diluição - elaborados a partir de substâncias minerais, vegetais e animais -, utilizados para tratar o solo e as plantas. "A técnica se distingue por introduzir conhecimentos ancestrais, como as dinamizações de estercos, os compostos diversos e as ervas. Existe ainda outra classificação, a de vinhos naturais, que não admite a adição de dióxido de enxofre, um conservante antioxidante normalmente acrescentado ao vinho", explica Russo.

Apesar da proposta moderna, o conceito da biodinâmica foi introduzido, primeiramente, na Europa, na década de 1920, pelo filósofo, educador, artista e esoterista austríaco Rudolf Steiner. Outra característica interessante desse princípio indica que os vinhedos precisam ser protegidos por áreas naturais, onde os animais possam andar soltos e integrados ao ambiente. O produtor, por sua vez, deve cuidar muito bem da videira e não se preocupar diante de eventuais ataques de pragas. "O conceito básico é simples: a vida é perfeita e qualquer doença significa desequilíbrio. O mesmo conceito da homeopatia é aplicado na vinicultura biodinâmica", compara o enólogo, ao citar que, atualmente, um dos nomes mais importantes dessa área é o do produtor francês Nicolas Joly.

No Brasil, o consumo de vinho é de 1,7 litro per capta ao ano. A média é considerada baixa quando comparada a padrões mundiais e, especialmente, a algumas nações europeias, como a França e a Itália, que consomem, respectivamente, 32 milhões e 26 milhões de hectolitros da bebida. Apesar dos números, especialistas destacam o potencial de mercado no país, apostando, para isso, em novas tendências, a exemplo das técnicas alternativas de produção. Para o enófilo Mário Telles Jr., vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), o vinho não deve ser considerado melhor ou pior apenas por ser orgânico ou biodinâmico, embora observe que, nas feiras especializadas, a quantidade de bons rótulos dessas bebidas é proporcionalmente maior a dos exemplares de excelência tradicionais.

A seu ver, isso ocorre porque, geralmente, o empreendedor orgânico ou biodinâmico cerca de mais cuidados o elemento principal de sua produçã a uva. "Como ele é obrigado a deixar de lado recursos químicos, precisa estar mais atento, observando muito bem sua matéria-prima", relata. "É o paladar do vinho que decidirá qual é o melhor exemplar. Essa avaliação independe da técnica utilizada. Se eu tiver que optar, escolho um orgânico, por apresentar uma produção mais cuidadosa e que preserva a natureza, tendência que está apenas no início no Brasil", completa Telles Jr.

De modo geral, os degustadores tendem a notar significativa diferença em relação aos aromas e sabores, ao comparar os vinhos orgânicos e biodinâmicos aos tradicionais. "Principalmente os biodinâmicos, que são mais delicados, de aroma intenso e longo", afirma Russo. Ana Paula Oliveira, sommelière da Enoteca Fasano, e Lis Cereja, sócia-proprietária da enoteca Saint Vin Saint, compartilham opiniões semelhantes. "Normalmente, esses vinhos não são filtrados e os aromas captam a essência da terra, de forma bem natural", descreve Ana Paula.
"A bebida feita sob princípios naturais tende a ser mais pura, equilibrada e autêntica. Ela revela melhor e com mais clareza as características do seu terroir e da uva com a qual foi feita", acrescenta Lis.

Apesar de numericamente ainda restritos, é possível encontrar, entre os rótulos de vinhos orgânicos e biodinâmicos, exemplares de excelente qualidade. "Posso citar inúmeros franceses, como o Coulée de Serrant, de Nicolas Joly; o Domaine Marcel Deiss; o Château Le Puy; o Château La Grave e o Champagne Fleury. No Brasil, infelizmente, ainda não temos produtores expressivos, mas o Marco Danielle, do Tormentas, produz orgânicos excepcionais e, certamente, irá se aventurar no caminho biodinâmico. Recomendo experimentar seus vinhos Prelúdio e Fvlvia Pinot Noir", recomenda Russo. Segundo ele, para o consumidor esta é uma opção ainda pouco conhecida, mas que começa a fazer sucesso principalmente entre os jovens - "em geral mais abertos a experimentações" -, além dos grandes conhecedores do assunto.

Cuidados especiais O especialista também explica que não existem cuidados específicos para a conservação desses vinhos e as regras são as mesmas aplicadas aos convencionais: escolher um lugar fresco, longe de luz ou de aromas fortes que possam contaminar a rolha. No mais, basta seguir apenas uma orientaçã abrir a garrafa com antecedência. "Nicolas Joly gosta de abrir seu vinho três dias antes de degustá-lo. Ele garante que a bebida fica melhor. Eu já confirmei essa constatação e acabei concordando com ele. Eles são autênticos e os únicos que podem realmente representar um verdadeiro terroir", revela Russo.

No Brasil, alguns estabelecimentos se destacam por servir vinhos orgânicos e biodinâmicos. Um deles é a enoteca Saint Vin Saint, cuja carta é 99% composta por esses rótulos. Há 180 opções disponíveis, entre elas os franceses La Travers de Marceau, o Tissot Rouge e o Champagne Fleury. "Ainda não podemos rotular os vinhos brasileiros como biodinâmicos, mas encontramos ótimos produtores utilizando princípios naturais, como a marca Era dos Ventos", cita Lis, ao mencionar que, depois de degustar a bebida, muitas pessoas acabam retornando à enoteca para conhecer novos rótulos.

"Infelizmente, os vinhos orgânicos, biodinâmicos ou naturais ainda sofrem preconceitos no mercado. Muitos deles gerados por produtores massivos e indústrias de fertilizantes e agrotóxicos", acredita a especialista, concordando com Nicolas Joly, que diz que a técnica é uma espécie de retorno às origens, se pensarmos que, antes da aplicação de tratamentos nos vinhedos, todos eram orgânicos.

A Enoteca Fasano, por sua vez, oferecia vinhos biodinâmicos antes mesmo de se tornarem conhecidos. Segundo Ana Paula, um dos rótulos disponíveis é o Domaine Borie La Vitarèle e um dos que mais se destacam é o Les Terres Blanches 2006, Saint-Chinian, elaborado com uvas 80% Grenache e 20% Syrah, com idades que variam entre sete e 25 anos. "O resultado é uma bebida tipicamente mediterrânea, elegante e com taninos discretos. Seus aromas revelam notas de framboesa", explica a sommelière, ao adiantar que a procura maior por essas opções é de conhecedores. "São os clientes mais exigentes, que têm consciência sobre o processo de produção e buscam por vinhos elegantes. Também indicamos os rótulos a quem está aberto a conhecer opções diferenciadas, procurando autenticidade e expressão", ressalta.

A enóloga diz que, muitas vezes, os biodinâmicos são considerados mais caros devido à grande necessidade da mão de obra e à pequena escala de produção. Lis Cereja afirma não existir uma relação direta entre os preços e o estilo do vinho. "Os que optam por esses métodos de vitivinicultura são, na maioria das vezes, produtores pequenos, que realizam os

processos, como colheita e seleção de cachos de uvas, à mão.Quanto menor o produtor e mais exigente for a produção, mais caro será o vinho, se compararmos com produções em larga escala. Mas é possível encontrar produtos a R$ 30 reais. Na Europa, por exemplo, muitos dos vinhos biológicos são comercializados por até 15 euros a garrafa", conta.

Independentemente do valor, o certo é que a oferta de orgânicos cresce entre os importadores brasileiros. A Magna Import, por exemplo, ofereceu, em 2010, 11 rótulos de orgânicos e biodinâmicos. "É interessante notar que, desde 2009, esses vinhos representam mais de 50% do faturamento da empresa. Por isso, saímos à procura de novas opções. Encontramos excelentes exemplares na França, Austrália e Itália. O potencial de produção ainda é pequeno, mas pretendemos, nos próximos três anos, triplicar a oferta atual", adianta Raul Henrique de Lucena, diretor de Marketing da Magna Import.

Embora o consumo no país ainda seja estatisticamente baixo, a proporção vem aumentando de modo significativo. "Ao conhecer os rótulos orgânicos e biodinâmicos, a pessoa entende sua proposta e quase sempre se torna consumidora", avalia Lucena, ao destacar que o trabalho de divulgação da bebida precisa de reforço. "Se receber investimentos que revelem a sua alta qualidade, os resultados, certamente, serão surpreendentes", acredita.

Especializada em comércio eletrônico de vinhos, a Wine conta com alguns rótulos orgânicos e biodinâmicos, embora ainda não tenha lançado uma seção específica. As importações, até o momento, se restringem a produtores sul-

americanos, do Uruguai, Chile e Argentina. "Mas essa é uma questão meramente regional", avisa Manuel Luz, sommelier da Wine, ao explicar que,

Um dos sinais de que o mercado de vinhos orgânicos e biodinâmicos tende a crescer no país foi a realização, em novembro, na cidade de São Paulo, da Feira de Biodinâmicos, que contabilizou a presença de mais de 50 expositores de diversos países, como Áustria, Austrália, Chile, Espanha, Itália, Portugal e França. Vêm de território francês, aliás, alguns dos mais celebrados rótulos. O Château Le Puy - fundado em 1610 - é um dos maiores produtores dessas opções. Desde 1990, o local pratica o cultivo biodinâmico, sendo o Le Puy e o Barthélemy os mais celebrados. Outro rótulo de reconhecida qualidade é o La Coulée de Serrant, de Nicolas Joly, um dos papas da biodinâmica e um de seus maiores divulgadores. "Considero seu vinho branco um dos três melhores do mundo, independentemente de serem ou não biodinâmicos", afirma Telles Jr., da ABS. Joly também esteve presente na mais recente edição da Renaissance des Appellations, nome do evento promovido pela Stellium Design e Eventos com apoio da Casa da Fazenda do Morumbi e da ABS.

Fonte: http://www.conteudoeditora.com.br/publicacoes/?ec=300&cs=8

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