A visão global da relação homem-comida, à qual somos chamados na tentativa de definir a gastronomia de hoje, afunda suas raízes na parte mais funda de nossa cultura e de nossa história.
Entretanto essa perspectiva, que poderíamos chamar de holística, contém, diferentemente de todas as outras reflexões em torno da comida, uma dimensão ética absolutamente nova.
O prazer que nos dá a comida não nasce somente do contato imediato com o objeto, de uma sensação papilar e gustativa. Nasce também, ou talvez principalmente, da consciência de que não há culpa, não há abuso, não há violência no percurso que levou aquela comida até nosso prato. Não há agressão ao meio ambiente, porque aquela comida foi produzida de forma, como se diz hoje, sustentável, respeitando os equilíbrios naturais, forçando-os somente aquele tanto suficiente para nosso aproveitamento.
Não há agressão ao homem, porque aquela comida foi produzida de forma justa e solidária, isto é, respeitando o direito das pessoas de viver com dignidade suas vidas, de ter o justo reconhecimento de seu trabalho. Não há agressão e não há egoísmo, porque não queremos aquela comida somente para nós, mas queremos que todos possam consumi-la, inclusive quem a produz.
Essa fortíssima componente ética nos torna participantes do processo de produção da comida: torna-nos consumidores-produtores. Mas isso não tira nosso prazer de comer. Pelo contrário: quanto mais estamos cientes daquele percurso, mais estaremos certos da justiça que o pressupõe, mais saborosos e melhores serão nossos alimentos. Bons e saborosos em si, porque o amor pelas plantas e pelos animais que nos alimentam serve para tornar melhor os produtos que deles derivam.
Bons e saborosos porque estar em paz com o mundo e consigo mesmo é a condição necessária para degustá-los com satisfação, com o inestimável prazer que somente a limpeza, a sobriedade, os comportamentos justos podem nos dar.
Eis o novo horizonte: a ética não é somente justiça, é prazer.
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